quinta-feira, 27 de junho de 2013

Amor Sem Medida – Um sermão sobre João 3:16 (C. H. Spurgeon).

O texto em apreço fala de DOAÇÃO, ENTREGA, SOLIDÃO E PERDA.
Nenhum ser vivente está disposto a PERDER a sua prole; o homem sofre uma dor muito aguda quando perde um filho. Acaso Deus não o sofre ainda mais? Há uma história muito popular relativa ao carinho de uns certos pais para com seus filhos. [ilustração]. A história relata que houve fome na terra, no Leste, e que um pai e uma mãe se viram sem absolutamente nada para comer, e a única possibilidade de preservar a vida da família seria vender um dos filhos para que fosse escravo.
Então os pais consideraram o assunto. O tormento de fome se tornou intolerável, e as súplicas de seus filhos pedindo pão puxavam dolorosamente as cordas de seus corações de tal maneira, que tiveram que retomar seriamente a idéia de vender a um deles, para salvar a vida de todos os demais. Tinham quatro filhos. Qual deles deveria ser vendido? Certamente não devia ser o maior: como poderiam desfazer-se de seu primogênito? O segundo, era tão parecido com seu pai que parecia uma miniatura dele, e a mãe disse que ela nunca se separaria dele. O terceiro era tão singularmente como sua mãe que o pai disse que preferiria morrer antes que este querido filho se convertesse em um escravo; e com relação ao quarto filho, ele era o Benjamim, seu caçula, seu amado filho, e não podiam separar-se dele. Finalmente concluíram que seria melhor morrerem todos juntos para não terem que separar-se voluntariamente de algum de seus filhos.
Vocês não simpatizam com esses pais? Vejo que simpatizam sim. Contudo, Deus nos amou de tal maneira que, para dizê-lo com muita ênfase, pareceria que nos amou mais que a Seu único Filho e não livrou a Ele, para perdoar-nos. Deus permitiu que entre todos os homens, Seu filho perecesse “para que todo aquele que nEle crê, não pereça, mas tenha vida eterna.”
Se desejarem ver o amor de Deus neste grande procedimento, devem considerar como Ele deu a Seu Filho. Ele não entregou a Seu Filho, como tu poderias fazer, a alguma profissão que teria como consequência desfrutar de sua companhia; senão que mandou o Seu Filho ao exílio entre os homens. O enviou à terra naquele presépio, unido em uma perfeita humanidade, que no princípio estava contida na forma de uma criança. Ali dormia, onde se alimentava um boi com longos chifres! O Senhor Deus enviou o herdeiro de todas as coisas para que trabalhasse na oficina de um carpinteiro: martelando pregos, usando o serrote, empunhando o pincel. O enviou no meio de escribas e fariseus, cujos olhos astutos O vigiavam e cujas línguas ferinas O açoitavam com calúnias vis. O enviou para a terra a fim de que passasse fome e sede, em meio a uma pobreza tão terrível que não tinha um lugar onde apoiar Sua cabeça. O enviou à terra para que O açoitassem e O coroassem de espinhos, e batessem nEle e O esbofeteassem. No fim, O entregou à morte: a morte de um criminoso, a morte do crucificado.
Contemplem essa cruz e vejam a angústia de Quem morre nela, e observem de que maneira o Pai O entregou e escondeu Seu rosto dEle, e pareceria que Ele não O reconhece! “Lamá Sabactâni” nos revela de que forma tão completa Deus entregou a Seu Filho para resgatar as almas dos pecadores. O entregou para que fosse feito maldição por nós; O entregou para que morresse “o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus”.
Queridos amigos, eu posso entender que vocês se separem de seus filhos para que se dirigiram à Índia a serviço de Sua Majestade, ou vão como missionários para Camarões ou Congo, a serviço de nosso Senhor Jesus. Posso entender muito bem que os entreguem apesar da expectativa diante de vocês de peste, pois se morrerem, teriam morrido com honra por uma gloriosa causa. No entanto, acaso poderiam pensar em uma separação que os conduzirá à morte de um criminoso, sobre um patíbulo, execrados pelas mesmas pessoas a quem buscavam abençoar, despojados das roupas de seu corpo e abandonados completamente em sua mente? Não seria tudo isso demasiado? Acaso não exclamariam “Não posso separar-me de meu filho por causa de uns canalhas como estes? Por que haveria de morrer uma morte cruel, por seres tão abomináveis, que têm o descaramento de lavar suas mãos no sangue de seu melhor amigo”?
Recordem que nosso Senhor Jesus Cristo morreu uma morte que seus concidadãos consideravam como uma morte maldita. Para os romanos, era a morte de um escravo condenado, que continha todos os elementos de dor, desonra e escárnio, mesclados ao limite máximo. “Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” Oh, que maravilhoso o alcance desse amor, que Jesus Cristo necessitasse morrer!
[Extraído de: www.projetospurgeon.com.br/.../a-soberana-graca-de-deus-e-a-responsa...

A Soberana Graça de Deus e a Responsabilidade do Homem ...].



Alegria e Tristeza

Rubem Alves

A gente está alegre, não alegre. Porque esse sentimento não se mantém para sempre. Surge, colore o mundo e some feito bola de sabão. Quando está triste, bom saber, acontece igualzinho.
Freud disse que são duas as fomes que moram no corpo. A primeira fome é a fome de conhecer o mundo em que vivemos. Queremos conhecer o mundo para sobreviver. Se não tivéssemos conhecimento do mundo à nossa volta, saltaríamos pelas janelas dos edifícios, ignorando a força da gravidade e poríamos a mão no fogo, por não saber que o fogo queima.

A segunda fome é a fome do prazer. Tudo o que vive busca o prazer. O melhor exemplo dessa fome é o desejo do prazer sexual. Temos fome de sexo porque é gostoso. Se não fosse gostoso, ninguém procuraria e, como conseqüência, a raça humana acabaria. O desejo do prazer seduz.
Gostaria de poder ter tido uma conversa com ele sobre as fomes, porque eu acredito que há uma terceira: a fome de alegria.
Antigamente eu pensava que prazer e alegria eram a mesma coisa. Não são. È possível ter um prazer triste. A amante de Tomas da A Insustentável Leveza do Ser.
Se lamentava: “ Não quero prazer, quero alegria!”
As diferenças. Para haver prazer é preciso primeiro que haja um objeto que dê prazer: um caqui, uma taça de vinho, uma pessoa a quem beijar, mas a fome de prazer logo se satisfaz. Quanto caquis conseguimos comer? Quantas taças de vinho conseguimos beber? Quantos beijos conseguimos suportar? Chega um momento em que se diz: “Não quero mais. Não tenho mais fome de prazer...”
A fome de alegria é diferente. Primeiro, ela não precisa de objeto. Por vezes, basta uma memória. Fico alegre só de pensar num momento de felicidade que já passou. E, em segundo lugar, a fome de alegria jamais diz: “ Chega de alegria. Não quero mais...” A fome de alegria é insaciável.
Bernardo Soares disse que não vemos o que vemos, vemos o que somos. Se estamos alegres, nossa alegria se projeta sobre o mundo e ele fica alegre e brincalhão. Acho que Alberto Caeiro estava alegre ao escrever este poema: “ As bolas de sabão que esta criança se entretêm a largar de uma palhinha são translucidamente uma filosofia toda. Claras, inúteis, passageiras, amigas dos olhos, são aquilo que são... Algumas mal se vêem no ar lúcido. São como a brisa que passa... E que só sabemos que passa porque qualquer cousa se aligeira em nós...”
A alegria não é um estado constante – bolas de sabão. Ela acontece subitamente. Guimarães Rosa disse que a alegria só acontece em raros momentos de distração. Não se sabe o que fazer para produzi-la. Mas basta que ela brilhe de vez em quando para que o mundo fique leve e luminoso. Quando se tem alegria, a gente diz: “Por esse momento de alegria valeu a pena o Universo ter sido criado”.
Fui terapeuta por vários anos. Ouvi sofrimentos de muitas pessoas, cada um de um jeito. Mas por detrás de todas as queixas havia um único desejo: alegria. Quem tem alegria está em paz com o Universo, sente que a vida faz sentido.
Norman Brown observou que perdemos a alegria por haver perdido a simplicidade de viver que há nos animais. Minha cadela Lola está sempre alegre por quase nada. Sei disso porque ela sorri à toa. Sorri com o rabo.
Mas, de vez em quando, por razões que não se entende bem, a luz da alegria se apaga. O mundo inteiro fica sombrio e pesado. Vem a tristeza. As linhas do rosto ficam verticais, dominadas pelas forças do peso que fazem afundar. Os sentidos se tornam indiferentes a tudo. O mundo se torna uma pasta pegajosa e escura. É a depressão. O que o deprimido deseja é perder a consciência de tudo para parar de sofrer. E vem o desejo do grande sono sem retorno.
Antigamente, sem saber o que fazer, os médicos prescreviam viagens, achando que cenários novos seriam uma boa distração da tristeza. Eles não sabiam que é inútil viajar para outros lugares se não conseguimos desembarcar de nós mesmos. Os tolos tentam consolar. Argumentam apontando para as razões para estar alegre: o  mundo é tão bonito... Isso só contribui para aumentar a tristeza. As músicas doem. Os poemas fazem chorar. A TV irrita. Mas o  mais insuportável de tudo são os risos dos outros que mostram que o deprimido está num purgatório do qual não vê saída. Nada vale a pena.
E uma sensação física estranha faz morada no peito, como se um polvo o apertasse. Ou esse aperto seria produzido por um vácuo interior? É Thanatos fazendo o seu trabalho. Por que quando a alegria se vai ela entra...Os médicos dizem que a alegria e a depressão são formas sensíveis que tomam os equilíbrios e os desequilíbrios da química que controla o corpo. Que coisa mais curiosa: que a alegria e a tristeza sejam máscaras da química! O corpo é muito misterioso...
Ai, de repente, sem anunciar, ao acordar de manhã, percebe-se que o mundo está de novo colorido e cheio de bolhas translúcidas de sabão... A alegria voltou! 
(Rubem Alves é Escritor, Pedagogo, Teólogo e Psicanalista.)